SÃO PAULO – O relator do Marco Civil da Internet, Alessandro Molon (PT-RJ) apresentou na tarde desta terça-feira, 5, as alterações ao texto original do projeto de lei que deve ir a votação na próxima semana. O texto saltou de 25 para 31 artigos, mas sua maior novidade é a incorporação no artigo 12 da proposta da Presidência da República de obrigar provedores de aplicações a guardar dados de brasileiros em servidores localizados no País. Molon diz saber que o artigo pode ser derrubado no plenário, mas espera que ao menos os pilares do Marco Civil – neutralidade de rede, defesa da privacidade do usuário e da liberdade de expressão – sejam aprovados pela Casa.
O PL nº 2.126/2011 tramitava em regime de urgência até o dia 28 de outubro, quando estourou o prazo e passou a trancar a pauta da Câmara dos Deputados. Hoje, o projeto disputa espaço no plenário com a votação do Código do Processo Civil (que não está sujeito à pauta ordinária da Casa) que deve ser votado nesta terça, com a possibilidade de se estender até quarta.
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Segundo o atual presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), o Marco Civil poderá ser votado ainda na tarde desta quarta. “[O Marco Civil] Está trancando a pauta da Câmara e se torna impraticável, impossível, de novo a pauta da Câmara trancada por tantos dias”.
O relator Alessandro Molon disse que o novo texto “fortalece a proteção à privacidade na rede, a proteção à privacidade do usuário e torna mais explícita a liberdade de expressão”. Segundo o petista, foram feitas alterações “mais duras” sobre a neutralidade e a proteção à privacidade após os escândalos de espionagem de junho, mas adiantou que outros dispositivos sobre o assunto virão detalhados na Lei de Proteção de Dados Pessoais, projeto que “está passando pela Casa Civil e que virá ao Congresso logo mais”.
Segundo ele, as alterações atenderam a pedidos da presidente da República “reagindo a essa violação da nossa soberania e privacidade de milhões de internautas brasileiros”, referindo-se às práticas de espionagem da Agência Nacional de Segurança americana (NSA, em inglês) sobre o governo brasileiro, em especial à presidente Dilma Rousseff e à Petrobras.
Veja a nova versão do Marco Civil da Internet e a tabela que compara o atual projeto com a versão anterior.
Neutralidade
Segundo o relator, “o projeto não abre brecha para quebra de neutralidade”, possibilidade que havia sido aventada anteriormente. Ele afirmou que o atual texto deixa mais clara as regras sobre exceções de neutralidade, possibilidades em que se permite a discriminação de tráfego. Em tais situações, a operadora não poderá causar “dano aos usuários”, e estará obrigada a “agir com proporcionalidade, transparência e isonomia” e a “oferecer serviços com condições comerciais não discriminatórias (…) [ou] anticoncorrenciais.”
No artigo 8º, o texto torna nulo qualquer possibilidade jurídica de um provedor de aplicação (como o Google ou o Facebook) se negar a submeter a foro nacional alguma controversa gerada no País. Esse trecho, somado à exigência de guarda de registros localmente é uma resposta clara ao Google, que se negou a fornecer dados de brasileiros ao Judiciário em razão de os datacenters estarem nos EUA.
Direitos Autorais
Um dos pontos mais debatidos do projeto se refere à responsabilidade de provedores de conteúdos sobre conteúdos de terceiros (artigo 15). O Marco Civil o isenta da responsabilidade, mas diz que caso haja ordem judicial para retirada de conteúdo e o provedor não o faça, haverá punição. Essa determinação, no entanto, não teria validade sobre casos de infração de direitos autorais, e estabelecia que a estrutura legal para este tipo de situação seria definido pela Lei de Direitos Autorais (LDA). O trecho virou um novo artigo (artigo 20) pois Molon queria deixar ”mais claro que esse debate será feito na LDA.
O novo texto diz que os casos de infração de direitos de autor “depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal” (que dentre outros assuntos, garante a liberdade de expressão). Em outro trecho, especifica-se que até a devida aprovação da LDA, os casos de infração de autor “continuará a ser disciplinada pela legislação autoral em vigor”. As alterações se justificam por uma “demanda da sociedade civil” em “deixar claro que a regra favorecerá a liberdade de expressão” e não incitará “uma espécie de censura privada”, explicou o relator.
Datacenters
A demanda do Executivo de obrigar provedor de serviços a guardarem dados de brasileiros em território nacional foi contemplada no novo texto. Molon explicou que até tentou convencer a presidente a não vincular a proposta ao Marco Civil – e deixar o tema para ser debatido na Lei de Proteção de Dados Pessoas –, mas Dilma teria insistido em inserir o tema no projeto atual. O artigo 12 estabelece que o Executivo, por meio de decreto, “poderá obrigar os provedores de conexão e de aplicações de internet” que exerçam atividades de forma “organizada, profissional e com finalidades econômicas” a instalarem datacenters (centrais de dados) ou usarem servidores já existentes no Brasil para armazenar dados dos seus usuários brasileiros. A empresa que desobedecer a medida pode levar multa, ou ter suas atividades suspensas ou até proibidas no País.
O deputado Alessandro Molon comentou sobre a possibilidade de a medida afugentar serviços de internet em exercício no País. Segundo ele, o artigo deixa claro que o decreto do Executivo “vai considerar o faturamento e o porte das empresas” em questão, e que só serão consideradas, provavelmente, empresas “que tenham condições de arcar com os custos no Brasil”. Mas disse que o dispositivo não “impede que os dados dos brasileiros sejam espelhados lá fora”, disse, referindo-se à possibilidade de as empresas guardarem apenas cópias dos dados no Brasil. “Mas se a legislação brasileira for desrespeitada, o provedor terá que fornecer os dados.”
“É possível que o artigo 12 seja suprimido em plenário, mas eu vou defender a sua permanência”, finalizou.
Privacidade
Nos artigos que detalham a coleta de dados, o novo texto diz que é vedada a guarda de registros e o fornecimento de dados pessoais a terceiros sem o consentimento do usuário, e a de dados que sejam excessivos em relação à finalidade do serviço. Molon afirmou que a Lei de Proteção de Dados Pessoais provavelmente demandará a criação de uma autoridade para regulamentar e fiscalizar a proteção de dados pessoais no Brasil. O novo texto contempla ainda uma demanda do Ministério Público e o incluiu dentre as instituições que devem ser atendidas caso solicitem registros de conexão (cadastrais).
Comitê Gestor da Internet
Apesar ter sido retirado de uma de suas propostas anteriores, o Comitê Gestor da Internet voltou a figurar na redação do Marco Civil. No artigo 24, na seção que trata da “atuação do poder público”, o relator reescreveu o trecho dizendo que constituem diretrizes para atuação dos governo a “promoção da racionalização da gestão, expansão e uso da Internet, com participação do Comitê Gestor da Internet no Brasil” e o “estabelecimento de mecanismos de governança multiparticipativa, transparente, colaborativa e democrática, com a participação do governo, do setor empresarial, da sociedade civil e da comunidade acadêmica”, uma réplica do modelo multistakeholder (descentralizado) já adotado pelo CGI.br desde a sua formulação e defendido pelo governo na Assembleia Geral das Nações Unidas e no Fórum Internacional de Governança, em Bali.
Respondendo a uma das críticas sobre a exigência de datacenters no Brasil – que tratava especificamente sobre a necessidade de o Brasil criar infraestrutura necessária antes de fazer tal exigência –, o novo texto diz que é obrigação do poder público a “otimização da infraestrutura das redes e estímulo à implantação de centros de armazenamento, gerenciamento e disseminação de dados no país, promovendo a qualidade técnica, a inovação e a difusão das aplicações de Internet, sem prejuízo à abertura, à neutralidade e à natureza participativa.”
Aberto a mudanças
A proposta apresentada pelo relator pode receber alterações até o dia da votação. “Tudo o que puder aprimorar o texto eu tenho a maior disponibilidade de eventualmente aceitar. Se chegaremos sugestões que tornem este texto melhor, de bom grado eu irei recebê-las”, disse o relator durante a coletiva desta tarde. Molon, no entanto, foi duro quanto a possíveis tentativas de mudanças ao que ele chama de “pilares” do Marco Civil, principalmente quanto à neutralidade de rede, princípio defendido também pela presidente Dilma Rousseff.
“O Marco Civil vai ter apoio de gente que nem é da base. É um projeto que não pode ser visto como um projeto de governo contra oposição. Como o PMDB vai encarar isso, eu não posso responder. Mas se alguém votar contra a neutralidade, não estará votando contra o relator, mas contra 100 milhões de internautas brasileiros”, afirmou o relator se referindo à oposição sustentada pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), – que não estava disponível para comentar o assunto. “Está em jogo uma causa que é muito maior que isso, muito maior do que eu, essa causa não é minha, essa causa me tem. A defesa da neutralidade é a defesa do espírito da internet.”
Nesta quarta, será criada uma comissão para discutir o novo texto durante sessão aberta no plenário da Câmara (a partir das 9h), onde estarão presentes empresas e membros da sociedade civil – defensores do Marco Civil se articulavam na tarde desta terça para estarem presentes em grande número no plenário durante a sessão.
Segundo Molon, o novo texto recebe apoio da presidência da República “na sua íntegra”. Nesta terça, a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, fez um anúncio, antes do pronunciamento de Molon. “Há no texto questões estratégicas para o governo, o armazenamento de dados no Brasil, que devem estar sujeito a leis brasileiras, para termos influência legal e evitarmos espionagem e a neutralidade de rede, para não termos ninguém prejudicado por questões comerciais das operadoras da rede. São questões que eu considero chave, mas teremos de esperar o relatório do deputado Molon.”
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